Estudos mostram que as drogas aliviam o desejo por comida, álcool e tabaco
Tatiana Pronin Publicado em 20/11/2025, às 14h00
Um estudo recente identificou padrões elétricos no cérebro associados à compulsão por comida (conhecido como “food noise”) e mostrou que o medicamento tirzepatida pode suprimir esses sinais, mas por tempo determinado.
Ainda que os resultados precisem ser confirmados por pesquisas mais amplas, o trabalho traz insights sobre como os novos remédios para diabetes tipo 2 e perda de peso ajudam a acalmar os pensamentos obsessivos sobre comida, pelo menos no início do tratamento.
As descobertas, divulgadas no periódico Nature Medicine, podem levar a terapias mais duradouras e eficazes para o controle da compulsão alimentar no futuro.
Muitas pessoas com sobrepeso ou obesidade relatam pensar demais em comida, não apenas quando estão com fome física, como se fosse uma espécie de “fixação mental”: esses pensamentos podem levar a episódios de comer descontrolado (compulsão).
A tirzepatida (princípio ativo do Mounjaro e do Zepbound) é conhecida por ajudar a reduzir essa fixação. Assim, entender melhor como esse remédio age no cérebro pode ajudar a desenvolver tratamentos mais eficazes para controlar impulsos alimentares (como no transtorno da compulsão alimentar), e não apenas para perda de peso.
Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, usaram eletrodos implantados no cérebro para medir sinais elétricos na nucleus accumbens, uma região importante do sistema de recompensa do cérebro.
Essa é uma abordagem rara em humanos, porque normalmente esse tipo de medida é feito em modelos animais.
Durante episódios intensos de preocupação com comida, os pesquisadores observaram um aumento na atividade de baixa frequência (chamada delta–theta, ≤ 7 Hz) na nucleus accumbens.
Esse padrão, que pode funcionar como um biomarcador, parece estar correlacionado com os momentos em que a pessoa sente mais desejo ou pensamentos obsessivos sobre comida.
Um paciente participante do estudo com obesidade grave usou tirzepatida por alguns meses. Durante esse período, os eletrodos mostraram que a atividade delta–theta se reduziu a níveis semelhantes ao controle, ou seja, sem os picos associados à compulsão.
Além disso, o paciente relatou menos pensamentos obsessivos sobre comida e conseguiu perder peso (cerca de 7%) nesse período.
Porém, esse efeito foi temporário: após alguns meses, a atividade elétrica voltou a aumentar, juntamente com o retorno dos pensamentos obsessivos por comida.
Os autores sugerem que pode haver uma “tolerância” ao remédio no que diz respeito a esse efeito no cérebro.
Esse padrão de atividade cerebral (delta–theta) pode servir como um biomarcador: algo que os médicos ou cientistas podem usar para monitorar quando um remédio está funcionando ou quando está perdendo efeito.
No futuro, isso pode ajudar a personalizar tratamento: ajustar a dose, mudar de remédio ou combinar com outras terapias para manter o efeito.
O estudo envolveu um número muito pequeno de participantes (trata-se de um estudo de caso, “primeiro em humano”). Isso significa que os resultados não podem ser generalizados para todo mundo.
Não está claro se o “biomarcador” delta–theta se comporta da mesma forma em outras pessoas com diferentes perfis (por exemplo: sem obesidade grave, ou com outros tipos de transtorno alimentar). Por isso, são necessários mais estudos controlados.
De qualquer forma, se os biomarcadores cerebrais se mostrarem confiáveis, os tratamentos poderão ser ajustados, no futuro, de acordo com a forma com que o cérebro responde, o que pode melhorar sua eficácia.
Além disso, esse tipo de estudo ajuda a desvendar como o cérebro “decide” quando comer por fome versus por desejo — algo fundamental para se compreender e tratar a obesidade e a compulsão alimentar.
Desde que os novos agonistas do receptor GLP-1, como a tirzepatida e a semaglutida (princípio ativo do Ozempic e do Wegovy), chegaram ao mercado, relatos e estudos vêm mostrando que essas drogas também podem ter efeito sobre outros tipos de compulsão, como o uso excessivo de álcool.
Uma análise recente apresentada pela fabricante do Wegovy mostrou que o uso da semaglutida (em dose de 2,4 mg) foi associado a uma redução nos gastos domésticos com bebida alcoólica e produtos de tabaco.
O estudo avaliou dados de mais de 200 mil lares nos EUA, identificando queda de 4,7 pontos percentuais nas compras de álcool e de 17,8 pontos percentuais nas compras de produtos de tabaco, em comparação com lares onde não havia uso de medicamentos desse tipo.
Mais pesquisas são necessárias para confirmar esse efeito, mas é possível que essas drogas para diabetes e obesidade tragam benefícios não apenas para quem luta para controlar a ingestão de comida, mas também de álcool e tabaco.
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