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Ansiedade e depressão no país melhoraram ao longo da pandemia

O cuidado com a saúde mental deve ser contínuo para evitar que sintomas virem transtornos - iStock
O cuidado com a saúde mental deve ser contínuo para evitar que sintomas virem transtornos - iStock

Milena Alvarez Publicado em 20/05/2021, às 18h57

Brasileiros têm apresentado menos sintomas de estresse, ansiedade e depressão com o decorrer da pandemia, mas a mesma queda não foi observada em relação ao  transtorno de estresse pós-traumático. Esse é um dos dados incluídos no resultado final do estudo CovidPsiq, realizado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e que foi apresentado durante uma coletiva de imprensa transmitida através do Youtube nesta quinta-feira (20). 

Inicialmente, a pesquisa longitudinal, que monitorou os impactos da pandemia na saúde mental da população brasileira desde abril de 2020, tinha objetivo de avaliar os sintomas  decorrentes do isolamento social, como estresse, ansiedade e depressão. Entretanto, outros desafios surgiram ao longo do caminho e novas questões foram incluídas: violência, situação econômica, desemprego e aulas online, por exemplo. 

Com um ano de estudos e mais de 80 colaboradores, a CovidPsiq contou com a participação de 6.100 pessoas de todo o país, sendo 75% mulheres, 25% homens e a grande maioria pertencente à classe média e com ensino superior. Todo o processo ocorreu em quatro etapas: a primeira foi feita do final de abril até o início de maio de 2020; a segunda, em junho; a terceira, entre setembro e outubro; e a última aconteceu entre os meses de janeiro e fevereiro de 2021. 

Segundo Vitor Crestani Calegaro, médico psiquiatra e coordenador do projeto, “mostrar os resultados finais é muito importante porque estamos em uma crise de investimento e desvalorização da ciência, e é justamente ela que promove as mudanças em níveis da sociedade. Essa pesquisa é para as pessoas e o nosso interesse é fazer algo pela população”. 

Prevalência 

Na primeira fase do estudo, os participantes foram apresentados à pergunta “Como está a sua saúde mental?”. Diante disso, 46,6% relataram que a saúde mental havia “piorado muito” na pandemia. 

Analisando a prevalência de cada um dos sintomas estudados ao longo das etapas, os resultados mostraram que estresse, ansiedade e depressão apresentaram uma queda com o passar do tempo, o que não aconteceu com problemas relacionados ao transtorno de estresse pós-traumático, que se mantiveram estabilizados. 

No início da primeira etapa, por exemplo, 62% da amostra tinha algum grau de depressão, desde leve até extremamente grave. Calegaro explica que esse é um dado importante: "O impacto da depressão é muito maior para a sociedade e para o indivíduo. Ela está entre as principais causas de afastamento do trabalho e é o principal diagnóstico relacionado ao suicídio”. 

A prevalência da ansiedade também diminuiu, apesar de ser uma mudança mínima. No início da pesquisa, 20% dos entrevistados relataram sintomas graves ou extremamente graves, mas, ao longo da pandemia, essa porcentagem foi reduzida para 15%, o que indica que um em cada cinco participantes ainda sofre com o problema. 

Evolução dos sintomas 

Para analisar a evolução dos sintomas, foram acompanhados apenas os participantes que responderam aos questionários em todas as quatro etapas. De acordo com os resultados – e assim como foi mostrado na análise da prevalência – o estresse, ansiedade e depressão apresentaram uma redução. 

Para Calegaro, a explicação para essa queda dos sintomas está na adaptação ao chamado “novo normal”: “Entre maio e junho começamos a usar máscara, entender melhor sobre a contaminação da Covid-19 e nasceu essa ideia do novo normal. Quando temos um impacto muito grande, como é o caso de uma pandemia, as pessoas precisam de tempo para se adaptar e isso resulta em sintomas de estresse, insônia, fadiga e ansiedade. Mas, com a adaptação, isso tende a diminuir”. 

Apesar desses dados animadores, o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) não apresentou uma mudança significativa. O psiquiatra explica que esse tipo de transtorno, diferente dos outros sintomas, não acontece simplesmente por uma mudança da vida; a pessoa que enfrenta o problema viveu um trauma (perdeu algum ente querido, sofreu violência, presenciou um acidente).

Para os pesquisadores, é possível que o resultado tenha a ver com o fato de que muita gente se adaptou à pandemia e, com isso, sentiu melhora nos sintomas de depressão e estresse pós-traumático. Porém, outras pessoas vivenciaram traumas este ano, com o agravamento da situação, o que fez o resultado final ficar estável para o TEPT. 

Profissionais de saúde

A pesquisa também avaliou os diferentes grupos que compõem a sociedade. No caso dos profissionais de saúde, por exemplo, que precisam lidar com cansaço pelas longas horas de plantão, houve um aumento dos níveis de estresse. Os dados mostraram ainda que existem muitas variações dentro da área da saúde, e quem sofreu mais sintomas foram os técnicos de enfermagem, enfermeiros e fisioterapeutas. 

Professores 

Outros fatores analisados foram emprego e renda. O estudo revelou que quanto menor a renda, mais sintomas os entrevistados apresentaram ao decorrer do tempo. Os dados sobre os professores também chamaram a atenção, pois houve aumento do estresse pós-traumático entre eles. 

Segundo Calegaro, os educadores são os que mais precisam de cuidados: “ É importante mostrar isso que, com a abertura das escolas, os professores são um grupo que necessita de mais zelo em termos de saúde mental. Existe muita angústia entre esses profissionais, há uma pressão que vem dos pais, dos alunos e das instituições. É uma carga muito alta, sendo que eles também são pais, filhos e vivem a pandemia como todo mundo”.

Estudantes

Os estudantes universitários também foram analisados de forma individual e 58% deles relataram uma piora na saúde mental com a chegada da pandemia. Vale lembrar que esse grupo é composto, em sua grande maioria, por pessoas jovens e a idade é um fator muito associado aos sintomas, isto é, quanto mais novo, maiores são os sintomas. 

Preditores de sintomas 

Ainda que o objetivo inicial da pesquisa fosse avaliar o impacto emocional da pandemia através dos sintomas de estresse, ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, os estudos também identificaram cinco principais preditores desses sintomas: 

  • Angústia relacionada às notícias
  • Idade (menor idade, piores os sintomas)
  • Diagnóstico psiquiátrico anterior
  • Insônia 
  • Abuso emocional ou violência 

No caso da violência e abuso sexual, por exemplo, os participantes foram questionados na quarta etapa da pesquisa sobre o assunto e todas as variáveis – "aconteceu comigo", "fiquei sabendo" ou "presenciei"– apresentaram um aumento. Segundo o coordenador da pesquisa, 29% das situações descritas haviam ocorrerido com o participante. “Isso é algo muito preocupante, porque a pandemia é para todos, mas os efeitos são diferentes”. 

Além disso, outras consequências também foram associadas, como desemprego, redução salarial, dívidas financeiras e adoecimento grave ou morte de pessoas próximas por Covid-19. O aumento no número de perdas chamou atenção da equipe: na primeira etapa, apenas cinco a dez pessoas haviam relatado que perderam alguém para a doença, mas na última, eram 240 entrevistados.  

É sobre resiliência 

Logo no início da coletiva, Calegaro comentou que talvez o “lado saudável da pandemia” seja a capacidade de resiliência, ou seja, quando a pessoa passa por eventos traumáticos, experencia momentaneamente os sintomas, mas consegue voltar ao estado de equilíbrio. 

Segundo ele, a resiliência é algo que pode ser trabalhado nos indivíduos. Junto com as ondas de casos da Covid-19, existem os picos dos sintomas, e a exposição intercalada desse estresse vai moldando pessoas mais resilientes. Mas, para que isso ocorra, o estresse não pode ser tão intenso e nem vivenciado por longos períodos. 

Por essas e outras razões, o médico enfatiza a importância do cuidado ser algo contínuo: “Não se pode parar o atendimento de saúde mental, é preciso reciclar e investir. Uma pessoa com diversos sintomas, como cansaço e estresse psicológico, precisa ser tratada para que isso não se transforme em um transtorno futuramente”. 

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