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Qual a relação entre ansiedade, depressão e insegurança?

Pessoas com ansiedade e depressão tendem a ter inseguranças em relação às próprias habilidades - iStock
Pessoas com ansiedade e depressão tendem a ter inseguranças em relação às próprias habilidades - iStock

Redação Publicado em 10/06/2025, às 10h00

Se você sofre de depressão e ansiedade costuma ter inseguranças em relação à própria capacidade, mesmo quando seu desempenho real está intacto. Mas por que isso acontece, exatamente? 

Uma equipe da Universidade de Copenhague decidiu entender melhor como pessoas com esses transtornos mentais tão comuns formam crenças sobre as próprias habilidades – um processo conhecido como metacognição. O artigo foi publicado recentemente no periódico Nature Communications

Questão de viés

Estudos anteriores já tinham apontado uma ligação entre depressão, ansiedade e insegurança. Mas os mecanismos por trás desse viés não estavam esclarecidos. Faltava saber, por exemplo, se indivíduos com os transtornos 1) interpretam mal seu nível de confiança; 2) ignoram seus sucessos ou 3) superestimam feedbacks negativos.

Para descobrir, os pesquisadores realizaram dois grandes experimentos com um total de mais de 500 participantes recrutados pela internet. Com diferentes questionários e tarefas num ambiente gamificado, eles mediram dois tipos de confiança dos participantes: a “local” (o quão seguros os participantes estavam de suas decisões em testes individuais) e a “global” (como achavam que estavam se saindo em um bloco de testes).

Papel do feedback na autoconfiança

Eles também manipularam o feedback recebido durante as tarefas para testar como os participantes atualizavam sua confiança global com base em pistas internas (confiança local) ou avaliações externas (feedback).

Os feedbacks foram manipulados, também, para que os participantes tivessem uma noção de sucesso independente do seu desempenho real. A ideia era simular um cenário comum da vida, em que certas pessoas podem receber mais incentivo ou críticas, mesmo se saindo bem de um modo geral. 

Ambos os experimentos mostraram que o feedback foi fundamental na confiança global dos participantes. Quando recebiam retorno positivo, as pessoas se sentiam mais confiantes em relação a seu desempenho. Já quem recebia feedback negativo se sentia menos confiante, independentemente do seu desempenho.

A influência desses feedbacks foi duradoura, e mesmo nas tarefas seguintes que não envolviam esse retorno um padrão marcante surgiu: quem tinha níveis mais elevados de ansiedade e depressão eram menos propensas a deixar que momentos de alta confiança melhorassem sua autoavaliação geral.

Problema na aprendizagem interna

Com modelagem computacional, os pesquisadores testaram diferentes modelos para entender como as crenças eram formadas. O resultado foi claro: pessoas com depressão e ansiedade não conseguem incorporar direito suas experiências de alta confiança.

Essas pessoas não foram mais afetadas pelos feedbacks negativos do que aquelas que não tinham sintomas, nem demostraram uma tendência a se subestimar, em geral. O problema parecia específico do processo de aprendizagem interna – como os próprios sinais de confiança eram absorvidos para construir uma visão mais ampla de suas habilidades.

Sensibilidade ao feedback é igual

"Esperávamos que pessoas com baixa autoconfiança fossem desproporcionalmente sensíveis a feedback negativo, mas não constatamos que esse fosse o caso", disse a pesquisadora Sucharit Katyal. "Em vez disso, elas se mostraram mais sensíveis apenas à sua própria baixa confiança anterior quando realizaram a tarefa."

Para testar se esses efeitos se estendiam além da tarefa em si, os pesquisadores também analisaram a autoconfiança dos participantes em uma tarefa separada. Eles pediram a eles que avaliassem o quão bem um conjunto de adjetivos positivos e negativos os descrevia.

Aqueles que receberam principalmente feedback negativo durante as tarefas anteriores foram mais propensos a endossar autodescrições negativas. Isso sugere que os efeitos do feedback distorcido e do processamento da confiança interna podem moldar a forma como as pessoas se veem de forma mais ampla, não apenas dentro de uma tarefa específica.

"Também descobrimos que receber feedback negativo, mesmo em uma tarefa gamificada online, pode prejudicar a autoestima mais global das pessoas – não apenas em relação ao desempenho cognitivo da tarefa, mas também em como elas se sentem sobre si mesmas de forma mais geral", afirmou Katyal.

Tendência a evitar novos desafios

Os resultados ajudam a explicar por que pessoas com ansiedade e depressão frequentemente têm visões negativas de sua competência e podem evitar novos desafios, mesmo quando possuem as habilidades necessárias para o sucesso.

Sua baixa autoconfiança global pode persistir não porque tenham um desempenho ruim ou recebam muitas críticas, mas porque não reconhecem ou internalizam plenamente os momentos em que se sentem capazes.

Síndrome do impostor

"Algumas pessoas mantêm autoconfiança irracionalmente baixa em suas habilidades, apesar de um bom desempenho, algo às vezes conhecido como 'síndrome do impostor'”, comentou a autora. E isso acontece, de acordo com os resultados, por causa da menor sensibilidade a situações passadas em que se sentiram confiantes.

O estudo também sugere que intervenções com feedback podem ajudar. Como pessoas com sintomas de ansiedade e depressão responderam normalmente ao feedback externo, um reforço positivo bem calibrado pode ajudar a mudar sua confiança global para uma direção mais precisa.

Pesquisas futuras são necessárias para confirmar se esses achados se aplicam a populações com diagnóstico clínico de depressão e ansiedade. Além disso, embora o feedback tenha ajudado a mudar a confiança no curto prazo, não está claro por quanto tempo essas mudanças duram ou qual a melhor forma de sustentá-las.