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O impacto da covid-19 no uso de calmantes e antidepressivos

Imagem O impacto da covid-19 no uso de calmantes e antidepressivos

Jairo Bouer Publicado em 04/05/2020, às 07h02 - Atualizado às 19h41

Desde o início da pandemia do novo coronavírus, especialistas têm se preocupado com os efeitos da covid-19 na saúde mental das pessoas. Há o receio de adoecer, de perder pessoas queridas ou ficar sem dinheiro. Tem a solidão causada pelo isolamento, a rotina alterada e os conflitos agravados pela convivência mais intensa com familiares. Tudo isso tira as pessoas do equilíbrio, e alguns estudos já mostram o impacto inicial.

Nos EUA, o número de receitas de antidepressivos e medicamentos contra ansiedade e insônia aumentou 21% entre 16 de fevereiro e 15 de março, quando a  OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou a covid-19 como pandemia e já havia mais de 4 mil casos confirmados no país. Os dados são da Express Scripts, um tipo de empresa que atua como intermediária entre farmácias e planos de saúde.

Os populares calmantes (principalmente benzodiazepínicos, que no Brasil são “tarja preta”) foram o tipo de medicamento mais prescrito, com salto de 34% de um mês para outro. Para antidepressivos e indutores de sono, os aumentos foram de 18,6% e 15%, respectivamente.

Chama a atenção que mais de três quartos de todas as receitas enviadas eram para novos usuários, ou seja, pacientes que começaram a usar os medicamentos na ocasião. Isso contradiz a ideia de que o crescimento foi apenas resultado do receio que muitos médicos ou pacientes tiveram de que faltaria remédio no mercado.

É provável que o aumento registrado entre os meses de março e abril seja ainda maior, já que o período envolveu, ao mesmo tempo, a quarentena e a elevação explosiva de mortes –enquanto eu escrevo este texto, o número ultrapassa 63 mil nos EUA, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

A Express Scripts ressalta que o salto no número de medicamentos contra ansiedade e insônia é preocupante, uma vez que o país vinha conseguindo diminuir o uso deles nos últimos anos. Medidas como terapia e mudanças no estilo de vida podem evitar o consumo desses psicofármacos em muitos casos, mas tudo isso leva tempo. Um levantamento feito com 21 milhões de pessoas com seguro saúde indicou uma redução de 12%, de 2015 para 2019. Para os indutores de sono, a queda foi de 11,3% no mesmo período.

Para os antidepressivos, também indicados para casos de ansiedade e outros transtornos, porém, houve aumento de 15% de 2015 a 2019. Para adolescentes (13 a 19 anos), o salto foi de 38%, sendo que as garotas consomem duas vezes mais o medicamento que os garotos. Estudos mostram que os jovens têm sofrido mais com transtornos emocionais (o que preocupa), mas também têm buscado mais ajuda (o que é bom).

Este é um momento de exceção para todo o mundo, em especial para os EUA, que chegou a registrar mais de 2.000 mortes em 24 horas por diversos dias em abril. Essa semana, nosso novo ministro da Saúde apontou que o Brasil pode alcançar mais de 1.000 mortes por dia. Sintomas de ansiedade e depressão devem ser levados a sério, não só porque causam sofrimento e incapacidade, mas também porque interferem no autocuidado. Quem não consegue comer e dormir, ou então abusa do álcool e do fumo para obter algum alívio pode ficar mais vulnerável a infecções. E quem não consegue sair da cama não pode dar a atenção devida aos filhos ou aos pais.

Mas é muito importante lembrar que todos esses remédios possuem efeitos colaterais, e cada paciente reage de uma forma diferente. Principalmente no início do tratamento, antidepressivos podem causar sintomas como náusea, sonolência, insônia, agitação e até pensamentos de suicídio, sendo que os benefícios demoram algumas semanas para aparecer.

Drogas com efeito sedativo podem afetar a memória e a concentração, e agravar quadros de apneia do sono, o que é complicado para um idoso que vive sozinho. E misturar essas drogas com álcool ou outras substâncias pode ser muito perigoso.

A maior parte dos novos usuários desses psicofármacos tem sido acompanhada apenas por telefone ou vídeo com o médico, o que pode prejudicar a comunicação e fazer com que algum detalhe importante escape da consulta. É por isso que a participação da família e das redes de apoio (amigos e colegas próximos) é essencial, mesmo quando os contatos são feitos só com ajuda da tecnologia.

Para saber mais: America`s State of Mind Report

*Do Blog do Jairo Bouer no UOL