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Nootrópicos: os estimulantes cerebrais e a busca por melhores resultados

O desejo de “turbinar” o desempenho intelectual tem levado a um uso indiscriminado de certos estimulantes - iStock
O desejo de “turbinar” o desempenho intelectual tem levado a um uso indiscriminado de certos estimulantes - iStock

Em 1972, Corneliu Giurgea, um psicólogo e químico romeno cunhou o termo “nootrópico” para o piracetam. A época, atribuía-se aumento das capacidades intelectuais a essa droga. A palavra tem origem no grego “nou”, que significa mente, e “tropo”, direção; ou seja, certa direção e controle da mente e seus processos. Trata-se de uma classe de medicamentos conhecida por estimulação cerebral, no sentido de aumentar a capacidade de cognição, concentração ou processos correlatos.

A “corrida” por estimulantes cerebrais

O uso dessas substâncias tem ganhado cada vez mais adeptos, mesmo que não haja, muitas vezes, a real necessidade de medicação para muitos pacientes que iniciam o uso desses fármacos. Um estudo publicado no The International Journal of Drug Policy, em 2018, mostrou que 21,6% de consumidores considerados saudáveis, mas que fazem uso de nootrópicos se concentram nos Estados Unidos.

No Brasil, a importação e a produção de metilfenidato – medicamento mais conhecido como Ritalina, um de seus nomes comerciais – cresceram 373% em dez anos. E, segundo dados de uma pesquisa do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), houve um aumento de 775% no consumo da droga no mesmo período. O detalhe desses dados brasileiros é que eles foram publicados em 2014. Agora, com o impulsionamento das redes e em período de pandemia, será que houve aumento ou diminuição do consumo dessas drogas? De qualquer forma, os dados já demonstravam que havia – e há – grande mercado consumidor de remédios muitas vezes vendidos como pílulas mágicas de inteligência, no entanto, todo uso de qualquer medicamento envolve riscos e necessita de acompanhamento médico.

Esclarecendo dúvidas sobre nootrópicos

Como forma de esclarecer as principais dúvidas, riscos e benefícios do uso de estimulantes cerebrais, conversamos com o neurologista Davi Muniz sobre o tema. Muniz, que é médico formado pela Universidade Federal do Acre e neurologista pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, respondeu a seis perguntas que mais aparecem quando o assunto se trata de nootrópicos.

1. Existem diversos medicamentos conhecidos por “turbinar” o cérebro. Como agem essas drogas no Sistema Nervoso Central (SNC)?

De uma forma geral, esses medicamentos estimulam o SNC. Existem vários tipos e inclusive o mecanismo de ação de um e outro diferem, mas a maioria deles são derivados de anfetamina, que aumentam a liberação ou diminuem a recaptação de neurotransmissores em nível neuronal. A noradrenalina e a dopamina são dois exemplos desses neurotransmissores que agem principalmente estimulando a vigília e atenção, diminuindo, portanto, o sono e aumentando a capacidade de atenção. Esses medicamentos são indicados para quem possui distúrbios do sono e para aqueles que têm déficit de atenção diagnosticados.

2. A que você atribui o aumento na procura por medicamentos que turbinam o cérebro? Existe algum perfil específico de pacientes?

Maior competitividade no mundo atual faz com que ocorra uma alta procura desses medicamentos na tentativa de melhorar performance, obter melhores notas e colocações em provas e coisas do gênero. Porém, existem pessoas que tomam esses medicamentos de forma recreativa, já que são derivados de anfetamina e de uma certa forma causam sensação de euforia, bem-estar e disposição. Em suma, o perfil de quem faz o uso de nootrópicos é de quem procura um melhor rendimento acadêmico e/ou profissional e também aqueles que usam de forma recreativa.

3. Há algum benefício para quem não tem diagnóstico de TDAH, por exemplo, ao utilizar nootrópicos?

Esses medicamentos são comprovadamente indicados e apresentam real benefício àqueles pacientes que, de fato, têm distúrbios de sono e déficit de atenção. Embora existam poucas evidências dos benefícios, há alguns achados clínicos que demonstram que o uso esporádico desses remédios apresenta resultados no ciclo circadiano principalmente para quem realiza, por exemplo, algum trabalho noturno ou atividade em privação de sono. O uso pontual, sob orientação médica e em situações específicas pode ser adequado, mas sempre sob a supervisão de um médico, pois esses medicamentos possuem efeitos colaterais que podem ser muito danosos.

4. Quais os riscos envolvidos na automedicação com estimulantes cerebrais?

Os principais e mais temíveis efeitos colaterais desses medicamentos envolvem o risco de morte súbita e o desenvolvimento de arritmias ou cardiopatias, já que também têm efeito adrenérgico associado. Por isso, antes de iniciar a medicação, é necessário passar por uma consulta onde será questionado sobre morte súbita na família, estratificação de risco cardiovascular, arritmias e correlatos. Além disso, podem causar transtornos de movimento, ansiedade, provocar graus diferentes de dependência e, se usado de forma irregular ou com doses elevadas acima do recomendável, pode causar efeito rebote quando você não o utiliza, ou seja, um sono maior e uma desatenção mais elevada quando parar de tomar o remédio de forma abrupta e sem acompanhamento médico.

5. Se uma pessoa suspeita que tenha déficit de atenção, qual ajuda ela deve procurar antes de iniciar qualquer medicação?

Paciente com sintomas consistentes de déficit de atenção deve procurar atendimento especializado que, comumente, é realizado por neurologista ou neuropediatra, já que, de uma forma geral, esses diagnósticos são fechados ainda na infância.

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O déficit de atenção costuma se manifestar já na infância – iStock

O paciente deve passar por avaliação e, em conjunto com o médico, definir qual a melhor estratégia terapêutica para evitar efeitos colaterais. Com o avançar da idade e com tratamento adequado, esses quadros tendem a melhorar. É importante frisar que déficits de atenção podem ser confundidos com transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão, mas não são a mesma coisa. Esses transtornos psiquiátricos têm aumentado atualmente, inclusive com a pandemia de Covid-19, e com isso pode haver uma piora de atividades intelectuais que demandam alta exigência. Isso não necessariamente por um déficit de atenção, mas sim por um transtorno psiquiátrico que se manifesta como dificuldade de atenção em certas atividades. Uma avaliação psiquiátrica e de um neurologista, portanto, são primordiais para um tratamento adequado.

Sintomas de TDAH
O Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH) é uma síndrome que possui diversos sintomas relacionados à hiperatividade/impulsividade e desatenção.Entre os sintomas da hiperatividade e impulsividade podemos incluir:
  • Inquietação excessiva;
  • Dificuldade de permanecer sentado quando necessário e requisitado;
  • Dificuldade de ficar em silêncio;
  • Dificuldade de concentração;
  • Conversa excessiva;
  • Interrupção ou intrusão sobre os diálogos dos outros.
Enfim, por se tratar de uma síndrome, são diversos os sinais e sintomas incluídos nela. Vale ressaltar que é comum uma ou outra característica aqui listada ser percebida em diversas pessoas, no entanto, para um diagnóstico e acompanhamento correto, é necessário procurar um profissional médico.

6. Você gostaria de deixar alguma mensagem aos leitores desta matéria e que tomam – ou pensam em tomar – esses medicamentos?

Como médico neurologista, esses medicamentos têm indicação específica e ajudam principalmente pacientes que têm déficits de atenção e patologias relacionadas ao sono. No entanto, em casos selecionados de pacientes saudáveis que exercem atividades de alta exigência isso pode apresentar algum benefício, mas isso não significa automedicação. O acompanhamento médico é mandatório para um controle correto com doses seguras e manejo de possíveis efeitos colaterais. A medicina é uma ciência e é personalizada para cada paciente, então, se há interesse pelo tema, você deve procurar um médico antes de se automedicar, pois isso envolve muitos riscos, como discutimos aqui.

Esta coluna não reflete, necessariamente, a opinião do Site Doutor Jairo.

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Anderson José

Anderson José

Estudante de medicina na Ufac (Universidade Federal do Acre), autor do podcast Farofa Médica e da página de Instagram @oiandersao