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Como falar com a criança sobre excesso de peso sem ferir a autoestima?

Mudar o comportamento alimentar da criança não é fácil e requer que a família toda esteja na mesma página - iStock
Mudar o comportamento alimentar da criança não é fácil e requer que a família toda esteja na mesma página - iStock

Qual o melhor momento para abordar uma criança sobre o seu peso? E como fazer isso sem ferir sua autoestima ou causar constrangimentos, de modo que o jovem passe a evitar o assunto? E como estimular uma alimentação saudável e a prática de atividade física sem gerar uma preocupação excessiva, que pode, depois, se transformar em um transtorno alimentar?

Essas questões são difíceis de responder, e nem todos os pais ou cuidadores têm conhecimento suficiente para isso. Um guia lançado recentemente pela Associação Dietética Britânica e pediatras do Reino Unido traz algumas dicas úteis para abordar o tema. Também ouvimos a médica Maria Fernanda Barca, doutora em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Quanto mais cedo, melhor

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, uma em cada 10 crianças de até 5 anos está com o peso acima do ideal. Na faixa de 5 a 9 anos, cerca de 28% apresentam sobrepeso e 13,2% têm obesidade. O que é mais preocupante é que essas proporções estão crescendo.

Ajudar as crianças a alcançar um peso mais saudável pode evitar que, ao alcançar a idade adulta, elas não desenvolvam doenças como diabetes e hipertensão. Além disso, é muito mais fácil adquirir hábitos saudáveis na infância do que tentar modificá-los mais tarde. Mas é preciso começar aos poucos e com delicadeza. Veja, a seguir, algumas recomendações para abordar o assunto sem gerar ansiedade. 

1. Prioridade é crescer e ter saúde

Uma das recomendações do guia é evitar colocar ênfase na balança, nos quilos que precisam ser perdidos ou na culpa por comer determinados alimentos. “A gente fala não em peso, mas em ser saudável”, recomenda a endocrinologista Maria Fernanda Barca. “Porque assim a criança vai se sentir mais confortável, menos agredida”, diz. As mudanças devem ser graduais e, a cada passo conquistado, é importante comemorar, para que a criança se sinta motivada. 

2. Não critique a aparência dos outros

Quando você critica sua própria aparência ou a de um parente ou amigo, a criança escuta com atenção. Isso faz com que ela saiba que é julgada dessa forma também. É importante deixar claro que existem pessoas de todos os tamanhos, e que ninguém precisa ser magérrimo para ser feliz ou amado. O importante é estar ativo e saudável. 

3. Pais e cuidadores precisam estar na mesma página

É importante que a família inteira assuma o compromisso de ter uma dieta mais saudável e fazer exercício, porque pais e cuidadores são os principais exemplos da criança. Não adianta querer que os filhos diminuam o consumo de guloseimas, se os pais não fazem isso. E não adianta o pai ou a mãe levarem a jornada a sério e o outro dizer que é bobagem. 

4. Outras pessoas também podem ajudar

Babás, avós, amigos e professores também devem ser informados sobre as mudanças no estilo de vida que a família deseja implementar. As crianças entendem melhor quando recebem a mesma mensagem de todos. E, ao ajudar a criança, outras pessoas da família podem ter sua saúde melhorada também. 

Confira:

5. Não transforme em castigo, nem em prêmio

Ajude seu filho a aprender que comer uma variedade de alimentos e ser ativo é normal e agradável, não coisas a serem feitas apenas para controlar nosso peso. Também é importante não premiar comportamentos positivos com guloseimas – no futuro, a pessoa vai sempre buscar alimentos desse tipo quando sentir necessidade de recompensa após um dia difícil.

6. Estabeleça um canal aberto de comunicação

Deixar as crianças saberem que podem falar sobre o peso, e que isso é apenas um fator que nos ajuda a saber se estamos saudáveis, pode ajudar a reduzir a vergonha em torno do assunto. Se elas não sentirem que é natural discutir esse tema em casa, talvez procurem informações em fontes menos qualificadas. 

7. Faça perguntas (e se preciso busque ajuda)

As crianças vão ouvir sobre questões ligadas ao peso na escola, dos amigos, na TV e na internet. Procure fazer perguntas para saber o que elas têm aprendido sobre o assunto e ajude-as a entender, quando for o caso, que nem tudo o que é dito faz sentido. Muitas vezes, é preciso até contar com ajuda profissional para saber como proceder. Um profissional de nutrição pode auxiliar a família com mudanças na dieta, sem que seja necessário privar-se do que dá prazer. E um profissional de psicologia ou de educação pode ser útil se a criança estiver enfrentando situações como bullying por causa do seu peso na escola. 

8. Ajude a criança a identificar o prazer de se mexer

Transforme as atividades físicas em oportunidades de diversão, e mostre o quanto nos sentimos bem depois de uma boa caminhada no parque, por exemplo. Também é importante que a criança tenha acesso a exercícios que despertam seu interesse – se ela não gosta de jogar bola, que tal tentar dança ou artes marciais? 

9. Procure fazer refeições em família

Isso se tornou raro hoje em dia. E, cada vez mais, adultos e jovens aproveitam a hora das refeições para ver as novidades na TV ou no smartphone. Um estudo publicado no Jama, a revista da Associação Médica Americana, mostra que adolescentes e adultos jovens que se sentam para jantar com os pais e irmãos são mais propensos a ter uma alimentação mais saudável do que aqueles que comem sozinhos. E isso é válido independente do nível de conexão e comunicação entre os integrantes da família.

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Tatiana Pronin

Tatiana Pronin

Jornalista e editora do site Doutor Jairo, cobre ciência e saúde há mais de 20 anos, com forte interesse em saúde mental e ciências do comportamento. Vive em NY e é membro da Association of Health Care Journalists. Twitter: @tatianapronin